Como grande
apreciadora dos clássicos da literatura, não é de se espantar que eu seja fã de
Machado de Assis. E não é por purismo intelectual. É porque o cara é genial
mesmo.
Não li todas
as obras (como gostaria), mas cada uma que consigo ter tempo de ler agrega
tudo, agrega sua visão do mundo, agrega seu vocabulário, agrega sua vida! Para
quem assistiu ao vídeo do rei do camarote, fica a piada, para quem não
assistiu, fica a dica (agrega o seu senso de humor!).
E falando em
camarote, e puxando o assunto das obras de Machado, veio a minha mente o
seguinte questionamento: o que o Dr. Simão Bacamarte diria se estivesse cá
entre nós, nessa era maluca de memes e virais da Internet?
Simão
Bacamarte é o personagem em torno do qual foi desenvolvida a trama de O
Alienista, conto escrito no melhor estilo da ironia machadiana.
Ele é um
médico que elegeu a pequena cidade de Itaguaí, no interior do Rio de Janeiro,
para aplicar seus conhecimentos adquiridos na Europa.
Bem, a
personalidade do Dr. Bacamarte é um caso raro de extrema inteligência, técnica
e racionalidade. Analítico e metódico, dedica a vida à ciência, e escolhe a
mente humana como alvo da dedicação exclusiva de seus estudos.
Determinado a
conhecer a psique humana e tratar a loucura, lança a cidade de Itaguaí num
empreendimento pioneiro. Num prédio cedido pelo governo, resolve reunir todos
os loucos da cidade e da região, nascendo, assim, a Casa Verde.
Mas, o que
isso tem a ver com a Internet, e seus fenômenos? Já chegamos lá.
Ocorreu que,
na tentativa de identificar os tipos de loucura, o Dr. Simão Bacamarte fez uma
triagem dos principais sintomas de cada tipo de louco, classificando-os em
grupos. Depois desse minucioso trabalho, o médico passou a observar cada
cidadão da pacata cidade, a fim de neles reconhecer algum sintoma de falta de
sanidade mental.
Obcecado pelo
seu estudo, e obstinado a curar a mente humana, o médico acaba por estabelecer
um estado de vigia constante na cidade, não escapando ninguém aos esforços da
ciência. Nem mesmo sua esposa. Na verdade, toda a cidade foi parar na Casa
Verde!
Surpreso? O
que eu contei não é a milésima parte dessa rica história, que eu espero que
todos leiam, pois é um conto curto e instigante.
Vamos mais a
fundo na teoria do Dr. Bacamarte, tomando uma de suas premissas para introduzir
o espírito do médico no nosso raciocínio.
− Suponho o espírito humano uma vasta concha; o meu fim, Sr. Soares, é ver se posso extrair a pérola, que é a razão; por outros termos, demarquemos definitivamente os limites da razão e da loucura. A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e só insânia.
Hoje estamos
diante da irreversibilidade da Internet, com a virtualização da informação e da
comunicação. Com isso, e a ampla exposição a que as pessoas se submetem,
torna-se possível ver uma amostra dos diferentes tipos de pessoas que habitam
nosso planeta.
Se a pequena
Itaguaí já deu trabalho suficiente ao alienista, imagine se o Dr. Bacamarte
passasse a observar o comportamento dos usuários da Internet?
Vídeos
malucos, engraçados, bizarros, milhões de fotos retratando cada passo da vida
das pessoas, textos sobre os assuntos mais variados, todo tipo de opinião
exposta (por pessoas que escrevem em blogs!).
Se passasse a
monitorar tudo o que as pessoas fazem na Internet (com a ajuda do Obama) o que
elas acessam, veem, leem, postam ou comentam, facilmente ele afirmaria que
existe algum desvio mental em todos os indivíduos que frequentam o mundo
virtual. (Se você achou exagero, leia o livro, e lembre-se daqueles dias em que
você fica zapeando na Internet).
Com todas as coisas estranhas, ou não, que
transbordam do mundo virtual, chega-se à conclusão de que a Internet nada mais
é que uma gigantesca Casa Verde, onde todos os loucos do mundo estão internados
(conectados, como queiram).
E então vem a
pergunta: e aquela pessoa que está lá fora, cheia de realidade física e
completamente desintoxicada do mundo digital? Que não foi corrompida pelos
vídeos engraçados, pelos gifs, pelos escândalos, pelos babados, pela
“intimidade” exibida nas redes sociais, por todo o “conteúdo” da Internet.
Aquela pessoa que não foi consumida pela curiosidade, no fim das contas.
Será ela o
nosso Simão Bacamarte?
Obs: Não
entendeu o final do post? Leia o conto, não posso dar mais spoiler. A obra está disponível em diversos sites, e
são menos de trinta páginas, então não tem desculpa.
Acho que todo mundo é Simão Bacamarte até o momento que alguém passa a te analisar.
ResponderExcluir