sexta-feira, 8 de novembro de 2013

O Alienista (e os alienados)


Como grande apreciadora dos clássicos da literatura, não é de se espantar que eu seja fã de Machado de Assis. E não é por purismo intelectual. É porque o cara é genial mesmo.
Não li todas as obras (como gostaria), mas cada uma que consigo ter tempo de ler agrega tudo, agrega sua visão do mundo, agrega seu vocabulário, agrega sua vida! Para quem assistiu ao vídeo do rei do camarote, fica a piada, para quem não assistiu, fica a dica (agrega o seu senso de humor!).
E falando em camarote, e puxando o assunto das obras de Machado, veio a minha mente o seguinte questionamento: o que o Dr. Simão Bacamarte diria se estivesse cá entre nós, nessa era maluca de memes e virais da Internet?
Simão Bacamarte é o personagem em torno do qual foi desenvolvida a trama de O Alienista, conto escrito no melhor estilo da ironia machadiana.
Ele é um médico que elegeu a pequena cidade de Itaguaí, no interior do Rio de Janeiro, para aplicar seus conhecimentos adquiridos na Europa.
Bem, a personalidade do Dr. Bacamarte é um caso raro de extrema inteligência, técnica e racionalidade. Analítico e metódico, dedica a vida à ciência, e escolhe a mente humana como alvo da dedicação exclusiva de seus estudos.  
Determinado a conhecer a psique humana e tratar a loucura, lança a cidade de Itaguaí num empreendimento pioneiro. Num prédio cedido pelo governo, resolve reunir todos os loucos da cidade e da região, nascendo, assim, a Casa Verde.
Mas, o que isso tem a ver com a Internet, e seus fenômenos? Já chegamos lá.
Ocorreu que, na tentativa de identificar os tipos de loucura, o Dr. Simão Bacamarte fez uma triagem dos principais sintomas de cada tipo de louco, classificando-os em grupos. Depois desse minucioso trabalho, o médico passou a observar cada cidadão da pacata cidade, a fim de neles reconhecer algum sintoma de falta de sanidade mental.



Obcecado pelo seu estudo, e obstinado a curar a mente humana, o médico acaba por estabelecer um estado de vigia constante na cidade, não escapando ninguém aos esforços da ciência. Nem mesmo sua esposa. Na verdade, toda a cidade foi parar na Casa Verde!
Surpreso? O que eu contei não é a milésima parte dessa rica história, que eu espero que todos leiam, pois é um conto curto e instigante.
Vamos mais a fundo na teoria do Dr. Bacamarte, tomando uma de suas premissas para introduzir o espírito do médico no nosso raciocínio.

− Suponho o espírito humano uma vasta concha; o meu fim, Sr. Soares, é ver se posso extrair a pérola, que é a razão; por outros termos, demarquemos definitivamente os limites da razão e da loucura. A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e só insânia.

Hoje estamos diante da irreversibilidade da Internet, com a virtualização da informação e da comunicação. Com isso, e a ampla exposição a que as pessoas se submetem, torna-se possível ver uma amostra dos diferentes tipos de pessoas que habitam nosso planeta.



Se a pequena Itaguaí já deu trabalho suficiente ao alienista, imagine se o Dr. Bacamarte passasse a observar o comportamento dos usuários da Internet?
Vídeos malucos, engraçados, bizarros, milhões de fotos retratando cada passo da vida das pessoas, textos sobre os assuntos mais variados, todo tipo de opinião exposta (por pessoas que escrevem em blogs!).
Se passasse a monitorar tudo o que as pessoas fazem na Internet (com a ajuda do Obama) o que elas acessam, veem, leem, postam ou comentam, facilmente ele afirmaria que existe algum desvio mental em todos os indivíduos que frequentam o mundo virtual. (Se você achou exagero, leia o livro, e lembre-se daqueles dias em que você fica zapeando na Internet).
  


 Com todas as coisas estranhas, ou não, que transbordam do mundo virtual, chega-se à conclusão de que a Internet nada mais é que uma gigantesca Casa Verde, onde todos os loucos do mundo estão internados (conectados, como queiram).
E então vem a pergunta: e aquela pessoa que está lá fora, cheia de realidade física e completamente desintoxicada do mundo digital? Que não foi corrompida pelos vídeos engraçados, pelos gifs, pelos escândalos, pelos babados, pela “intimidade” exibida nas redes sociais, por todo o “conteúdo” da Internet. Aquela pessoa que não foi consumida pela curiosidade, no fim das contas.  

Será ela o nosso Simão Bacamarte?




Obs: Não entendeu o final do post? Leia o conto, não posso dar mais spoiler.  A obra está disponível em diversos sites, e são menos de trinta páginas, então não tem desculpa. 

Um comentário:

  1. Acho que todo mundo é Simão Bacamarte até o momento que alguém passa a te analisar.

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